segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

“Lacraram a nossa mãe”

“No primeiro dia de Janeiro de 1934 entrava em vigor o Estatuto do Trabalho Nacional que tinha por modelo a «Carta del Lavoro» de Mussolini e decretava a ilegalização dos sindicatos livres. A classe operária reagiu de imediato. Ao apelo das organizações sindicais, no dia 18 de Janeiro de 1934 desenvolveu-se no país uma greve de características insurreccionais. Em Silves, em Coimbra e nas zonas operárias de Lisboa, no Barreiro e em Setúbal registam-se acções grevistas e manifestações. Mas foi na Marinha Grande que a greve alcançou maiores proporções. A greve, encabeçada por militantes comunistas (José Gregório, António Guerra e outros), teve a adesão maciça dos trabalhadores, que ocuparam a vila durante várias horas.”
Um texto como este pode ler-se em diversas edições comemorativas da jornada heróica de 18 de Janeiro de 1934. Ainda pequeno, ouvi a história contada por meu pai, que a tinha ouvido de seu pai e que a seu tempo contarei aos meus filhos, para que a memória não arrefeça.
Para além da descrição do contexto histórico e dos motivos que levaram ao Movimento e das consequências e contribuições que viria a dar para luta que a seguir se desenrolou, aprendi nessas conversas uns versículos, que eram o texto de uma canção escrita pelo meu tio avô Júlio Marques, logo depois do encerramento do sindicato e da prisão de alguns trabalhadores. Essa canção, desconhecida ainda hoje do grande público, cantava-a o meu avô João Tojeira enquanto se dedicava ao trabalho com o carro da vaca. Logo a começar dizia: “E nunca desanimai / Que um castelo também cai / À vingança hão-de chegar. / Lacraram a nossa mãe / Que tantos filhinhos tem / Que se andam a abraçar.” Mas é o verso mais à frente que me faz meditar no que fomos, no que somos e no que temos de resistir e lutar para ser. E diz assim: “A nossa solidariedade / É um gesto de humanidade / Que bonito que é a união. / Que do pouco que ganhamos / Com todo o gosto pagamos / Para os camaradas sem pão.” Apesar da miséria em que viviam, os trabalhadores vidreiros cotizavam-se para acudirem às mulheres e aos filhos dos camaradas na prisão. Na sociedade em que hoje vivemos, onde nos querem impor o modelo neoliberal e individualista, temos que manter vivo o espírito solidário, que é a nossa raiz e foi o nosso leite de berço. O ser humano é um ser eminentemente social. Combater o sentido social e solidário da nossa existência é lutar contra a nossa identidade. E um povo sem identidade é um povo perdido.
Para mim, esta é outra lição importante que nos deixaram os que em 34 tentaram mudar o rumo à história.
Dizia-nos Júlio Marques na despedida: “Nós temos de triunfar / Nada de desanimar / Nunca deixar a fileira. / Nas fábricas tocam apitos / Operários bradam aos gritos / Avante massa vidreira!”
Um dia, havemos de cantar todos juntos!
(Editado no semanário "Expressões")